Mário de Almeida: Um Vintage da Vida
Mário de Almeida: Um Vintage da Vida
Aos 82 anos, Mário de Almeida, nascido e criado no Concelho de Beja, já viu muitas colheitas e muitos bons vinhos a envelhecerem, assim como ele. Mas se há algo que nunca envelhece, é a paixão que ele carrega pelo mundo da viticultura. Uma paixão que começou cedo, entre os campos da sua infância, onde o trabalho e os sonhos se misturavam como um bom blend de castas.
Os Primeiros Passos na Vinha
Mário cresceu entre fileiras de videiras, respirando o aroma da terra fértil e aprendendo, desde pequeno, que o mundo das uvas não era só feito de encantamento, mas também de responsabilidade. Não havia espaço para brincadeiras descuidadas—cada tarefa era uma forma de integração na vida familiar, uma lição silenciosa sobre esforço e dedicação.
A vinha era o seu parque de aventuras e, ao mesmo tempo, a sua primeira escola. No inverno, observava o pai podar os ramos secos e aprendia que, tal como na vida, era preciso cortar o que já não servia para dar lugar ao novo. Na primavera, via a vinha despertar, e no verão sentia a ansiedade da vindima a aproximar-se. Esse ciclo das estações guiava os seus dias e moldava o seu caráter.
Brincadeiras Simples, Imaginação Sem Limites
O mundo de Mário era pequeno, mas cheio de descobertas. A aldeia vizinha era um ponto de encontro ocasional, e as notícias chegavam lentamente, através de rádios, jornais esporádicos ou as conversas dos adultos que se reuniam ao fim do dia. A televisão ainda não era uma realidade comum em Portugal, e os brinquedos eram escassos—mas quem precisava de brinquedos quando se tinha imaginação?
Brincava ao ar livre, correndo pelos campos como se fossem selvas misteriosas, construindo cabanas de ramos, explorando cada canto da propriedade como um jovem aventureiro. Os animais eram seus companheiros, os riachos eram seus mapas, e cada descoberta era um pequeno triunfo. Tudo ao seu redor era um convite para criar histórias e desafios.
O Trabalho Como Parte do Crescimento
Desde cedo, Mário recebeu pequenas tarefas para executar. Não eram castigos, mas sim lições sobre disciplina e compromisso. Ajudava a carregar cestos, organizava as ferramentas, aprendia a reconhecer os sinais de uma videira saudável e, aos poucos, tornava-se parte do ciclo da produção. Sentia um orgulho genuíno em participar, ainda que sem entender completamente a dimensão daquele trabalho.
Era um mundo onde o trabalho e os sonhos se misturavam. Onde um rapazinho corria entre as videiras e, sem saber, estava a plantar as raízes do futuro que um dia o tornaria um grande viticultor. Afinal, tal como o vinho, a vida é feita de paciência, dedicação e do tempo certo para amadurecer.
O Amor Entre Videiras
Mário de Almeida sempre acreditou que o vinho e o amor tinham algo em comum: ambos precisavam de tempo para amadurecer e revelar sua verdadeira essência. Foi entre os campos dourados de Beja que encontrou Catarina de Sousa, uma mulher de sorriso luminoso e paixão pela terra tão intensa quanto a dele. Desde o primeiro olhar, perceberam que partilhavam um mesmo encanto pelo campo, pelo trabalho árduo e pelo ritmo das estações. "A vinha ensina-nos paciência e recompensa-nos com sabor, tal como o amor", costumava dizer Mário.
Casaram-se numa cerimónia simples, mas cheia de significado, cercados por vinhedos que testemunhavam o início da sua história juntos. Da união nasceu Anselmo, e, desde pequeno, o menino aprendeu a caminhar entre as vinhas, a sentir o aroma das uvas maduras e a compreender que cada garrafa traz consigo uma história. Mário ensinou-lhe tudo—do respeito pela terra às tradições da vinificação, sem nunca impor, apenas inspirando. "O vinho não se faz só com técnica, faz-se com alma!", repetia ao filho.
Hoje, Anselmo é um enólogo reconhecido, assegurando a continuidade da obra do pai. Cada garrafa que produz é como um tributo àqueles anos de infância, às histórias contadas por Mário junto aos barris e ao amor que começou entre videiras. Porque tal como um grande vinho, os laços de família e tradição nunca perdem o seu valor.
O Brinde ao Passado
Nos tempos de juventude, lá nos anos 70, e estabelecido como viticultor, onde com a ajuda dos pais comprou os seus primeiros hectares de vinha, e de forma reflexiva, diz que a viticultura em Portugal era um mundo completamente diferente. "Ah, naquela época, as mãos faziam o trabalho que hoje é das máquinas!", dizia com nostalgia. Era tudo manual—do plantio à poda, da colheita à vinificação. O conhecimento sobre as castas nacionais era puro instinto, aprendido no campo, sem computadores a calcular cada detalhe do cultivo.
Mário lembra-se de como as adegas eram verdadeiros santuários do vinho, onde se respeitava o processo natural, sem pressa, deixando as uvas contarem a sua própria história. "Hoje temos tudo medido ao milímetro, sensores, temperatura controlada... Mas naquela altura, era a experiência que ditava as regras."
A Evolução do Sabor
A área de vinha era maior, mas a produção era modesta. Hoje, Portugal exporta vinhos para o mundo inteiro, e os portugueses tornaram-se mestres na arte de valorizar as suas castas autóctones. "Agora temos vinhos que são estrelas internacionais! Antes, eram os estrangeiros que vinham cá e descobriam os nossos tesouros."
Agora, há drones a sobrevoar as vinhas, satélites a monitorar a humidade e máquinas que colhem as uvas sem precisar de mãos calejadas. Mário admira a tecnologia, mas nunca deixa de ser crítico.
Um Passaporte de Vinhos
Se há uma coisa que nunca mudou na vida de Mário, foi o seu gosto por explorar o mundo através dos vinhos. França, Itália, Espanha, Chile—cada país visitado era um capítulo novo numa história que ele construía copo a copo. "Conhecer uma adega nova é como conhecer uma pessoa, cada uma tem sua personalidade", dizia sempre, com o entusiasmo de um verdadeiro apaixonado pela viticultura.
Mas se há uma região que conquistou o seu coração, foi Rioja. "Ah, Rioja… aquilo não é só uma região vinícola, é um legado!", exclama, com brilho nos olhos. Lá, entre vinhedos intermináveis e bodegas centenárias, Mário sentiu que estava diante de um tesouro vivo da tradição espanhola. O equilíbrio entre modernidade e respeito pelas raízes deixou-lhe maravilhado—vinhos que envelhecem em barricas de carvalho como se fossem poesia embalada pelo tempo.
De todas as coisas que já viu ao longo da vida, há uma reflexão que sempre repete: "Já vi muitas profissões e negócios surgirem e desaparecerem, mas a viticultura é milenar. Desde os romanos, passando pelos monges, até os enólogos modernos… o vinho é um elo que atravessa séculos!". Para ele, cada garrafa aberta era mais do que um prazer, era um convite para viajar no tempo e sentir que fazia parte dessa história viva da humanidade.
Hoje, num lar de idosos, os seus olhos brilham ao falar da última garrafa que abriu. "Sabes o que é maravilhoso no vinho? Quanto mais envelhece, melhor fica. Eu espero que esteja a seguir esse caminho também!", diz, com um sorriso de quem sabe que envelhecer não é perder essência—é ganhar complexidade e profundidade, como um grande reserva que espera pacientemente pelo momento certo para ser apreciado.
Porque a vida, como um bom vinho, deve ser saboreada com calma, acompanhada por histórias bem contadas e brindada sem pressa.
Recolha e adaptação: Albino Monteiro