António Valente: O Fotógrafo das Memórias e dos Sabores

 

António Valente: O Fotógrafo das Memórias e dos Sabores

Aos 77 anos, António Valente é um homem de imagens, histórias e sabores. Nascido na freguesia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, no concelho de Tavira, cresceu entre campos de amendoeiras, ruas de calçada e o aroma irresistível da cozinha tradicional algarvia. Hoje, mora sozinho em Tavira, mas nunca falta companhia – seja dos amigos que vêm ouvir suas histórias ou das fotografias que ainda captura com paixão.

E entre essas companhias fiéis estão Eduardo e Mário, seus parceiros de longa data na arte de fotografar. Eduardo, com seu olhar minucioso, é mestre em capturar a essência de uma cena – seja um rosto carregado de emoção ou o reflexo dourado do sol nas águas do rio Gilão. Mário, por outro lado, tem alma de aventureiro e nunca hesitou em escalar uma colina ou se ajoelhar na areia para conseguir o ângulo perfeito. "Uma foto sem emoção é apenas uma imagem", costuma dizer ele.

António, sempre reflexivo, acredita que a fotografia não se limita a apertar um botão – é um ato de eternizar a alma de um instante. Costuma repetir frases impactantes sobre sua arte:

"A fotografia é a única maneira de congelar o tempo sem perder o calor do momento." 

"Não é a câmera que faz a foto – é o coração do fotógrafo." 

"Cada imagem guarda uma história que nem mil palavras conseguem contar."

Os três amigos costumam se reunir para discutir técnicas, relembrar viagens fotográficas e compartilhar as capturas mais recentes. Entre uma conversa e outra, invariavelmente alguém cita uma das suas fotografias favoritas e descreve as emoções que ela desperta. "Uma boa foto não mostra só o que está diante dos olhos, mas também o que está dentro da alma", reflete António, enquanto ajusta sua velha câmera e prepara-se para mais um passeio pelo casario de Tavira.

Fotografar, para António e seus amigos, nunca foi apenas um passatempo – foi sempre a maneira mais bonita de contar histórias sem precisar de palavras.

Uma Infância Entre Encantos e Sabores

Santa Catarina da Fonte do Bispo era um lugar mágico para uma criança curiosa como António. As manhãs eram passadas explorando os campos, onde corria entre as amendoeiras e figueiras, e as tardes eram dedicadas às brincadeiras na praça, onde os mais velhos contavam lendas sobre a região. "Cada esquina tinha uma história, e eu queria guardá-las todas", relembra com um sorriso nostálgico.

Mas se havia algo que marcava sua infância, eram os sabores. E ninguém melhor para transformar ingredientes simples em verdadeiras obras de arte culinárias do que a sua avó Maria. Dona de mãos habilidosas e uma paciência infinita, ela tinha o dom de pegar figos, laranjas e amêndoas e transformá-los em iguarias inesquecíveis.

António ainda hoje pensa nas fotografias maravilhosas que poderia ter tirado dela, ali, na pequena cozinha da casa de campo, com o velho tacho de cobre fumegando sobre o fogão. A luz dourada do fim da tarde iluminava o seu rosto concentrado, enquanto mexia cuidadosamente o doce de figo, deixando o aroma adocicado invadir cada canto da casa.

"A fotografia pode transmitir muita coisa", reflete António, "mas aquele aroma inesquecível da cozinha da avó Maria, isso nem a melhor lente conseguiria capturar." O perfume dos doces misturado com o cheiro do café recém-passado era a própria definição de conforto, um abraço invisível feito de lembranças.

A cozinha tradicional da região era um verdadeiro espetáculo gastronómico. O milho com pão frito e toucinho era um dos seus pratos favoritos, e as conquilhas frescas, preparadas com alho e coentros, eram um verdadeiro presente do mar. Nos dias de festa, os doces regionais faziam as delícias de todos – folhados de Tavira, estrelas e doces de figo, morgados, Dom Rodrigos e os irresistíveis bolos de amêndoa e alfarroba.

"Cada mordida era uma viagem ao passado", diz António, com saudade dos tempos em que sua mãe e sua avó se dedicavam à cozinha, preparando iguarias que encantavam qualquer um.

Agora, ao relembrar esses momentos, ele percebe que a verdadeira magia da fotografia não está apenas em eternizar rostos e cenários, mas sim em despertar emoções. E sempre que fecha os olhos, consegue ver Avó Maria ali, de avental, mexendo o doce de figos, sorrindo como quem sabia que estava criando não apenas um doce, mas uma memória eterna.

Juventude: Amores, Bailes e Sonhos

Na juventude, António sonhava em viajar pelo mundo e fotografar lugares exóticos. Mas antes de partir para grandes aventuras, encontrou Lurdes, uma mulher de sorriso doce e pés ligeiros no corridinho. Os bailes típicos do Algarve eram o ponto de encontro dos jovens, onde se formavam pares, se trocavam olhares e, claro, se ensaiavam os primeiros passos do romance. Foi ali, entre voltas e rodopios, que António e Lurdes começaram a namorar. "O corridinho não era só dança – era estratégia de conquista!", brinca ele.

Casaram-se e tiveram dois filhos, João e Catarina, que hoje vivem em Lisboa. "Lurdes era minha musa, minha inspiração", diz ele, com saudade. Infelizmente, ficou viúvo há alguns anos, mas nunca deixou de falar dela com carinho.

Os filhos fazem questão de visitá-lo sempre que podem, e os netos, Tomás e Leonor, são sua verdadeira alegria. "Eles acham que sou um mágico porque consigo congelar o tempo com uma câmera!", brinca António. E é nesse papel de avô encantado que ele descobriu um novo jeito de registrar memórias – o seu telemóvel.

Embora tenha passado a vida a dominar câmaras profissionais e lentes sofisticadas, António aprendeu as manhas do telemóvel e hoje admite, com um misto de surpresa e satisfação, que é uma ferramenta impressionante. "É uma máquina fotográfica que também serve para falar!", diz, maravilhado.

Sempre que está com os netos, não perde uma oportunidade de tirar fotos – seja um passeio pelo campo, um almoço em família ou simplesmente Leonor rindo sem motivo aparente. E o que realmente o fascina é a rapidez com que pode enviar essas fotos aos amigos, mostrando com orgulho tanto a sua dedicação à fotografia quanto o amor pelos netos.

"Imaginem se nos tempos dos bailes eu pudesse tirar uma foto e enviá-la para os amigos em segundos! Podia ter fotografado a minha primeira dança com Lurdes e guardado para sempre aquele instante", reflete, rindo. Mas, ainda assim, ele sabe que cada época tem o seu encanto. Agora, em vez de filmar amores no corridinho, fotografa os netos a dançar no salão de casa, garantindo que a história continua – ainda que através de um ecrã.


A Vida de Fotógrafo – Entre Lentes e Histórias

Por mais de 50 anos, António dedicou-se à arte da fotografia, capturando momentos que hoje fazem parte da memória coletiva. Começou humildemente, fotografando casamentos e festas populares, onde aprendeu a antecipar emoções e encontrar beleza até nos olhares mais discretos. "Fotografar um casamento é como tentar segurar a felicidade com as mãos – se não fores rápido, escapa!", brinca ele.

Mas sua verdadeira paixão nasceu na fotografia documental, onde teve a oportunidade de registrar o cotidiano das pessoas e as mudanças da cidade ao longo das décadas. Viu Tavira transformar-se, acompanhou os mercados locais, os mestres da pesca, os artesãos e até os pequenos comerciantes que ajudaram a definir o espírito da região. "Cada foto conta um capítulo da história de alguém. O que hoje parece banal, amanhã será memória", afirma.

Houve momentos inesquecíveis, como a vez em que fotografou um pescador em Olhão, sentado na proa do barco, segurando sua rede com a serenidade de quem respeita o mar. Anos depois, descobriu que aquela imagem tornou-se um símbolo da comunidade, sendo utilizada em exposições e até impressa em murais da cidade. "A fotografia tem esse poder – ela eterniza o que o tempo tenta apagar", diz ele, orgulhoso de ter capturado instantes que, sem sua lente, poderiam ter se perdido.

Outra experiência marcante foi quando viajou para Lisboa, na década de 80, para documentar o movimento dos elétricos e as ruas pulsantes da capital. No Rossio, capturou um instante único: um vendedor de castanhas, com o rosto envolto na fumaça quente, sorrindo para um cliente. "Foi uma das minhas fotos favoritas – porque, embora a cidade tenha mudado, as castanhas continuam lá, os vendedores continuam lá, e o sorriso... esse é eterno."

Hoje, aposentado, António ainda se diverte com o telemóvel, que aprendeu a utilizar como um mestre moderno da fotografia. "Nunca pensei que um telemóvel fosse capaz de capturar imagens tão boas!".

"Uma boa foto não se tira com os olhos, tira-se com o coração."

O Olhar da Maturidade – Sobre as Coisas e Objetos

Agora aposentado, António tem um olhar diferente sobre o mundo. "Com o tempo, aprendemos que os objetos não são apenas coisas – são testemunhas da nossa história", reflete. Ele gosta de observar os detalhes do seu velho relógio de bolso, que pertenceu ao seu avô, ou da sua câmera analógica, que capturou momentos inesquecíveis.

Mas sua paixão por objetos antigos não se limita às memórias que guarda em casa. Sempre que pode, António visita feiras de antiguidades de Tavira, onde passeia entre bancas repletas de relíquias do passado. Para ele, cada peça tem uma história oculta, esperando para ser resgatada. "Uma feira de antiguidades é como um museu sem paredes – cada objeto já pertenceu a alguém, já viveu uma vida antes de chegar aqui", diz ele, enquanto segura um antigo telefone de disco e imagina quantas conversas importantes ele já testemunhou.

Com sua câmera em mãos, “O telemóvel”, António dedica-se a fotografar objetos antigos, tentando capturar não apenas sua forma, mas sua essência. Um baú desgastado pelo tempo, uma máquina de escrever com teclas amareladas, um conjunto de talheres de prata que já serviu incontáveis refeições festivas – cada imagem é uma tentativa de dialogar com a história. "A fotografia tem esse poder – ela não apenas eterniza um objeto, mas também nos faz imaginar as mãos que o seguraram, os momentos que ele presenciou", reflete.

António conversa com os vendedores, escuta histórias sobre as peças e, às vezes, até leva um pequeno tesouro para casa. "Não compro apenas um objeto – compro um pedaço de memória", diz ele, com um brilho nos olhos.

Para António, cada fotografia é um pedaço do tempo que ele conseguiu salvar. "A vida é feita de instantes, e eu tive a sorte de congelar alguns deles", afirma, com um sorriso tranquilo, enquanto prepara o telemóvel,  para capturar mais um fragmento do passado.

Uma Vida Bem Iluminada – A Fotografia como Testemunha da História

António Valente é a prova de que a vida pode ser cheia de imagens, histórias e aprendizado. Entre as lembranças da infância, os amores da juventude e os objetos que guarda com carinho, ele segue vivendo com entusiasmo e gratidão. Mas, para ele, a fotografia é muito mais do que um simples registro – é um serviço à memória coletiva, uma ferramenta que acompanhou a evolução do homem e ajudou a moldar a forma como percebemos o mundo.

Ele faz uma dissertação sobre a importância da Sua Amada profissão, do seu Hobby, do seu universo pessoal

Desde os primeiros daguerreótipos do século XIX até as câmeras digitais de hoje, a fotografia tem sido uma testemunha silenciosa da história. Capturou guerras e revoluções, documentou avanços científicos e sociais, eternizou rostos que, sem ela, poderiam ter sido esquecidos. "A fotografia não apenas congela o tempo – ela nos permite revivê-lo", reflete António.

Ele gosta de pensar na fotografia como um elo entre gerações. Sem ela, como saberíamos o rosto dos nossos antepassados? Como entenderíamos a transformação das cidades, das culturas, dos costumes? "Cada imagem é um pedaço da história humana, uma prova de que estivemos aqui, de que vivemos, sentimos e mudamos o mundo à nossa maneira", diz ele, com um brilho nos olhos.

A fotografia também revolucionou a forma como nos comunicamos. Se antes era preciso esperar dias ou semanas para ver uma imagem revelada, hoje podemos capturar e compartilhar momentos em segundos. "Nunca imaginei que um dia poderia tirar uma foto e enviá-la imediatamente para alguém do outro lado do mundo", diz António, maravilhado com a tecnologia.

Para ele, a fotografia é mais do que um hobby ou uma profissão – é um serviço à humanidade, uma forma de preservar o passado e inspirar o futuro. "O segredo para uma vida feliz? Capturar momentos, saborear boas comidas e nunca parar de aprender!"

Recolha e adaptação: Albino Monteiro