Os Caminhos de Pedra de Maria Alice
Os Caminhos de Pedra de Maria Alice
Aos 76 anos, Maria Alice continua a viver como sempre viveu: com os olhos voltados para o passado e os pés prontos para caminhar. Professora de História reformada, natural de Évora, trocou as salas de aula pelos campos, claustros, ruelas e fortalezas de Portugal. Desde que pendurou o diário escolar, organiza passeios culturais por monumentos e locais históricos, guiando pequenos grupos com a mesma paixão com que, outrora, explicava o Renascimento num quadro a giz.
Mas Maria Alice nunca caminha sozinha. Ao seu lado segue Alceu, companheiro de décadas e arquitecto reformado, de sorriso sereno e olhar curioso. Se ela fala da história dos reis, das batalhas e das datas, ele aponta os arcos, as proporções, o entalhe das pedras. Juntos, transformam cada passeio numa verdadeira aula multidisciplinar — um encontro entre a História e a Arte de construir o tempo.
“Os monumentos não são apenas pedras empilhadas. São testemunhos vivos”, diz Maria Alice com a firmeza de quem acredita que os muros contam mais do que os livros. Alceu, com o seu caderno de apontamentos sempre à mão, completa: “E cada pedra tem um desenho, uma intenção, um traço de alguém que quis deixar marca.”
Começaram com pequenos passeios por Évora e arredores, mas o entusiasmo dos amigos — e mais tarde dos amigos dos amigos — alargou o círculo. Hoje, têm uma agenda quase cheia, com destinos que vão de Tomar a Guimarães, de Sagres a Bragança. Nada é feito com pressa. Cada paragem é uma conversa. Cada pausa, uma descoberta.
Maria Alice prepara os roteiros com rigor académico e amor de contadora de histórias. Gosta de contextualizar, de provocar perguntas, de ouvir interpretações. Alceu, mais prático, gosta de medir, fotografar detalhes e partilhar curiosidades arquitetónicas que fazem os participantes olharem para os edifícios com novos olhos. “É como se ela desse a alma e eu desse o corpo ao monumento”, costuma dizer, rindo, enquanto Maria Alice lhe lança um olhar de cumplicidade.
Casados há mais de 50 anos, os dois têm um entendimento silencioso que encanta quem os acompanha. Não é raro que os mais jovens que participam nas excursões se sintam inspirados — não apenas pelo conhecimento, mas pela beleza de uma vida partilhada com propósito.
À noite, depois de cada passeio, sentam-se lado a lado a rever fotografias, a anotar ideias para a próxima visita. Maria Alice fala de episódios históricos esquecidos; Alceu desenha esboços das janelas manuelinas ou das colunas toscanas que viu. Na parede da sala, uma frase emoldurada resume o espírito de ambos:
“O tempo é o nosso melhor professor — e os monumentos, seus cadernos.”
Hoje, Maria Alice e Alceu são mais do que guias. São tecelões da memória coletiva, costurando o passado ao presente com palavras, gestos e caminhadas. Ensinaram — e continuam a ensinar — que a história não está parada nos museus, mas viva em cada rua antiga, em cada torre que resistiu ao tempo, em cada pedra que guarda silêncio… e sabedoria.
Recolha e adaptação: Albino Monteiro