Francisco Dias: O Regresso e as Conversas da Esplanada
Francisco Dias: O Regresso e as Conversas da Esplanada
Aos 72 anos, Francisco Dias é daqueles homens que falam devagar, como quem tem tempo de sobra e histórias de mais. Cabelo branco, chapéu de aba gasta e olhos que já viram o mundo, mora hoje na mesma aldeia onde nasceu, mas com uma diferença: agora é ele quem leva o mundo para a esplanada do café central.
As Memórias de África
"Eu fui e voltei. Mas deixei lá pedaços de mim", diz ele, com um leve sorriso melancólico. Aos 20 anos, embarcou para Angola sem saber bem o que o esperava. Foi por obrigação, como tantos outros, mas voltou por necessidade – a de reencontrar-se com o lugar de onde partira como rapaz e onde regressaria como homem.
Na guerra, Francisco viu o que nunca quis contar aos pais. "Nem todas as histórias se contam com palavras", costuma dizer. Mas, entre um café e outro, partilha os momentos que ainda carrega no peito: os serões com os companheiros de armas, o calor do mato, a bondade inesperada de um aldeão angolano que lhe ofereceu um naco de pão quando ele mais precisava. E as cartas. "Cada envelope era um pedaço de casa a atravessar o oceano."
Domingos de Esplanada e Saudade Boa
Hoje, o quartel foi trocado pela mesa do canto no café do Zé Manel, onde Francisco é presença certa aos domingos. Ali, entre a bica curta e o som das conversas da aldeia, encontra o seu pequeno palco. “Não tenho televisão em casa, mas tenho o mundo aqui à frente dos olhos”, brinca, apontando para os vizinhos que passam.
Há sempre alguém que puxa conversa: um jovem curioso pela história da revolução, uma senhora que lhe leva bolo de milho, ou até o carteiro que, de tempos a tempos, lhe pergunta se ainda escreve cartas — "Agora, só com a memória", responde Francisco.
Portugal, Um País com Feridas e Flores
Francisco reconhece que o Portugal onde vive já não é o mesmo de quando partiu. "Agora há autoestradas, supermercados e internet… mas há coisas que não mudam, como o cheiro do pão acabado de cozer ou a saudade daquilo que foi."
Ele fala da aldeia como quem acaricia uma fotografia antiga. Os rostos mudaram, as ruas alargaram-se, mas a essência continua. “O país mudou, e eu também. O truque está em não deixar que o passado nos roube o presente.”
Contador de Histórias, Guardador de Memórias
Francisco não se considera herói nem protagonista. Mas, para quem o ouve, é um pouco dos dois. As suas histórias misturam o drama e o humor com a mesma naturalidade com que serve o seu vinho nas festas da aldeia.
“Se um dia escreverem um livro sobre mim, que ponham um banco de esplanada na capa”, diz ele a rir. “Foi aqui que voltei a ser eu.”
E assim, entre os cafés partilhados e os silêncios cheios de sentido, Francisco Dias ensina que há muitas formas de voltar — e que, às vezes, regressar é apenas o primeiro passo para descobrir que o nosso lugar sempre esteve à espera.
Recolha e adaptação: Vasco Sampaio