A Sabedoria Silenciosa de Edson Moreira
A Sabedoria Silenciosa de Edson Moreira
Aos 74 anos, Edson Moreira caminha com passos lentos, mas firmes, pelos corredores da Universidade Sénior de Coimbra. Leva debaixo do braço uma pasta de couro envelhecida e, no rosto, um olhar tranquilo de quem já leu o mundo com os olhos e o coração. Reformado do ensino secundário, onde lecionou Filosofia durante quase quatro décadas, Edson recusa-se a parar. “Quem pensa, vive”, costuma dizer. E é por isso que todas as quartas-feiras ele oferece, como voluntário, aulas abertas de filosofia para seniores, com uma dedicação que não conhece aposentadoria.
Natural de Viseu, cresceu numa casa modesta onde os livros partilhavam espaço com os tachos e panelas da cozinha. O pai, sapateiro, e a mãe, doméstica, ensinavam-lhe que o saber era o único bem que ninguém lhe podia tirar. Edson descobriu cedo o gosto por pensar — não apenas saber coisas, mas entender por que as coisas são como são. Aristóteles, Platão, Simone Weil, Agostinho da Silva — todos esses nomes tornaram-se companheiros ao longo dos anos.
Na juventude, os colegas chamavam-lhe “o filósofo do silêncio”. Não por ser calado, mas porque escutava mais do que falava, e quando falava, deixava as palavras pairar no ar como folhas que caem devagar.
“O mundo corre demais e pensa de menos”, costuma dizer, enquanto ajeita os óculos no nariz. Na universidade sénior, suas aulas não são apenas lições — são conversas à volta de ideias, onde os alunos se redescobrem através da dúvida e da escuta.
Edson acredita que a filosofia é mais necessária do que nunca. “Não é um luxo, é uma bússola”, afirma com convicção. Para ele, ensinar filosofia aos mais velhos é uma espécie de regresso: muitos alunos redescobrem perguntas que tinham deixado para trás. “Aos 20 queremos respostas. Aos 70, voltamos a querer perguntas.” E ele adora estar ali, a provocar essas interrogações.
A turma é pequena, mas fiel. Alguns vêm por curiosidade, outros por saudade dos tempos de escola, e há ainda quem venha só pelo prazer de escutar Edson falar sobre o sentido da vida, a ética do cuidado ou a beleza do pensamento livre. Ele nunca impõe ideias, apenas semeia dúvidas e colhe silêncios atentos.
Em casa, Edson vive só, rodeado de livros e discos de jazz. Não teve filhos, mas diz que tem muitos “filhos do pensamento” espalhados por aí. De vez em quando, recebe cartas de antigos alunos, agora adultos feitos, agradecendo pelas conversas que mudaram o rumo de suas vidas.
Guarda todas numa gaveta, junto com um recorte de jornal antigo onde um jornalista o chamou de “o homem que ensina a pensar devagar”. Gosta desse título. Sorri sempre que o lê. Para ele, pensar devagar é resistir ao barulho do mundo.
E entre uma chávena de chá e outra, repete uma frase que já virou o seu lema:
“A Filosofia é a mãe de todos os conhecimentos — e nenhuma mãe abandona os seus filhos.”
Hoje, Edson Moreira é mais do que um professor reformado. É um farol discreto num tempo de pressa. Um homem que, mesmo sem palco nem manchete, continua a ensinar que há sabedoria na dúvida, e que pensar... ainda é um ato de esperança.
Recolha e adaptação: Albino Monteiro