O Tempo Silencioso de Alberto
O Tempo Silencioso de Alberto
Alberto é um homem de poucas palavras, mas de olhares longos. Mora sozinho numa casa antiga, onde cada parede parece guardar uma história, e onde o tempo não passa — ele caminha. Viúvo há mais de uma década, rodeado por fotografias emolduradas e livros de capa gasta, Alberto vive entre memórias e ponteiros, sempre com um relógio de bolso no colete — um artefacto precioso que pertenceu ao seu avô e que, segundo ele, já viu mais de 120 anos de mundo.
"Este relógio não mede só o tempo. Mede vidas", diz com voz firme, enquanto o segura com delicadeza, como se temesse acordar os segundos adormecidos. Para Alberto, o tempo nunca foi apenas uma sucessão de minutos. É, como ele costuma dizer, “uma locomotiva silenciosa rumo ao infinito, que vai deixando os passageiros pelo caminho”. E cada tique-taque, para ele, é um aceno desses passageiros, uma saudade.
A sua casa é um templo dedicado à ordem do tempo: o relógio de parede da sala nunca atrasa, nem adianta. Está sempre certo — como se seguisse um fuso horário apenas conhecido por Alberto. No silêncio da casa, ouve-se o compasso ritmado dos ponteiros, quase como uma música antiga que embala a solidão.
Mas há dias em que o tempo parece recuar: são os dias em que os filhos e netos o visitam. Nessas ocasiões, Alberto arruma o relógio de bolso na mesinha ao lado da poltrona e dedica-se inteiramente ao presente. Os risos dos netos enchem as divisões, e os cheiros da comida caseira recordam os almoços de outros tempos, partilhados com a sua mulher, Maria, cuja ausência ainda ecoa entre os talheres alinhados com rigor.
O mais velho dos netos, Tomás, é um prodígio da tecnologia. Usa um relógio inteligente que mede batimentos, passos e até a qualidade do sono. Alberto sorri com ternura e um certo espanto ao ver aqueles ecrãs digitais: “Vocês querem ultrapassar o tempo… mas o tempo não se deixa vencer”, comenta, olhando para o seu velho relógio de bolso como quem olha para um velho amigo que nunca o traiu.
Já disse, em tom meio sério, meio brincalhão, que um dia deixará o relógio ao neto que souber cuidar dele. Mas sabe bem que aquele pequeno objeto exige mais do que manutenção: exige respeito, escuta e uma sensibilidade rara para perceber que o tempo não se impõe — vive-se.
Enquanto os netos correm pela casa, Alberto senta-se no alpendre, observa o entardecer e sussurra:
“Um dia, talvez entendam. O tempo não é pressa. É presença.”
E assim segue Alberto, com o coração ritmado como os ponteiros que nunca param. Um homem que não tenta deter o tempo, mas que aprendeu a caminhar com ele — passo a passo, memória a memória, deixando um legado silencioso feito de pontualidade, afeto e histórias contadas ao ritmo dos segundos.
Recolha e adaptação: Albino Monteiro
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