O Zé da Bicicleta
"O Zé da Bicicleta"
José Matos, mais conhecido na vila de Azeitão como "Zé da Bicicleta", tinha 77 anos e uma energia que deixava muita gente de 40 com inveja. Reformado há mais de uma década, era impossível encontrá-lo parado por muito tempo. Todas as manhãs, chovesse ou fizesse sol, lá ia ele com a sua inseparável bicicleta azul, a pedalar pelas estradas entre os vinhedos e os campos verdes da região.
Zé tinha sido carteiro a vida inteira. Conhecia cada rua, cada casa, cada atalho e cada pessoa pelo nome. Ainda hoje, quando passa de bicicleta, vai acenando para uns e trocando piadas com outros. A sua simpatia era tão natural quanto o cheiro do pão quente na padaria da Dona Graça.
Mas Zé tinha um segredo que poucos sabiam: aos 74 anos, depois de décadas a viver para o trabalho e para os outros, decidiu aprender algo novo — música. Sempre gostara de fado, mas nunca tinha tocado um instrumento. Então, num impulso, comprou uma viola (usada, claro) e começou a aprender sozinho, com vídeos na internet e dicas de um vizinho músico.
Todos riram quando ele contou que queria tocar e cantar num arraial. “Com essa idade? Vais desafinar o bairro todo!” — brincavam. Mas Zé não se deixou abalar. Treinava todos os dias depois do almoço, sentado à sombra da figueira no quintal. A esposa, Laurinda, dizia que era o som mais bonito que já tinha ouvido, mesmo com os erros. "Porque é teu", dizia ela com um sorriso.
Chegou o verão e, com ele, a festa anual da vila. Este ano, os organizadores decidiram fazer algo diferente: convidar moradores para atuarem. Zé inscreveu-se. Quando o seu nome foi anunciado, muitos ficaram surpreendidos. Lá subiu ele ao palco, com a viola ao ombro, camisa branca, lenço vermelho ao pescoço e aquele sorriso maroto.
Cantou um fado que ele próprio escreveu — simples, divertido, cheio de referências à vila, aos vizinhos, aos passeios de bicicleta e à sua querida Laurinda. No fim, houve gargalhadas, palmas de pé, assobios e até lágrimas. Ninguém esperava tanto daquele “velhote da bicicleta”.
Desde esse dia, Zé passou a ser convidado para cantar em outras festas, casamentos e até num grupo de fado amador da região. Aos 77, redescobriu não só um talento, mas uma nova forma de viver — com alegria, ritmo e vontade de aprender sempre mais.
Quando lhe perguntavam o segredo de tanta energia, ele respondia:
“Nunca deixei de pedalar. Nem na bicicleta, nem na vida.”
E lá ia ele, pedalando estrada fora, com a viola às costas e um fado nos lábios, provando que o entusiasmo não tem idade — e a vida, se bem vivida, só melhora com o tempo.
Recolha e adaptação: Gabriel Silva