O Senhor Manuel e a Arte de Recomeçar
O Senhor Manuel e a Arte de Recomeçar
Manuel Correia sempre foi um homem de hábitos simples e coração grande. Nascido numa aldeia perto de Viseu, passou a vida a trabalhar como carpinteiro. Começou cedo, aos 13 anos, aprendendo com o pai a transformar madeira em móveis, portas e sonhos. Ao longo das décadas, ficou conhecido na região como “o mestre Manuel”, respeitado pela habilidade nas mãos e pela honestidade no trato.
Aos 70 anos, Manuel reformou-se. Achava que ia gostar de ter tempo livre, mas, para alguém habituado a trabalhar com propósito, os dias começaram a parecer longos demais. A mulher, Maria, companheira de uma vida inteira, já tinha partido há alguns anos, e os filhos moravam longe — um em Lisboa, outro na Suíça. Manuel tinha a casa, o quintal e as memórias, mas sentia que algo lhe faltava.
Foi então que, numa manhã de primavera, ao passear pela vila, viu um cartaz colado na porta da biblioteca municipal: “Curso de Iniciação à Informática para Maiores de 60”. Nunca tinha sequer tocado num computador, mas algo naquele cartaz acendeu-lhe uma curiosidade esquecida. Na semana seguinte, lá estava ele, sentado em frente a um portátil, com os olhos semicerrados e os dedos a tremer nas teclas.
Aprender foi difícil no início. Escrever e-mails parecia magia. Mas Manuel era teimoso no melhor sentido da palavra. Em poucos meses, aprendeu a navegar na internet, a enviar mensagens, e até criou uma conta no Facebook. Começou a conversar com antigos colegas da tropa, amigos de infância, e até encontrou primos que não via há mais de 30 anos.
Certo dia, ao partilhar fotos de móveis antigos que ainda tinha em casa, alguém comentou:
— “Mestre Manuel, devia ensinar isso aos jovens! Ninguém faz móveis assim hoje em dia.”
Aquela frase ficou-lhe na cabeça. No mês seguinte, dirigiu-se à junta de freguesia com uma ideia: oferecer aulas de carpintaria gratuitas aos jovens da vila, aos fins de semana. Montou um pequeno ateliê na garagem de casa. Os primeiros alunos foram três rapazes e uma menina de 14 anos. Depois vieram mais. Em menos de um ano, Manuel já tinha ensinado dezenas de jovens a trabalhar a madeira com paciência e amor.
O que começou como uma tentativa de combater a solidão transformou-se numa missão. Tornou-se um exemplo para a comunidade — não só pela arte, mas pela forma como, aos 75 anos, provou que nunca é tarde para aprender, para mudar, e para dar de novo.
Hoje, quando lhe perguntam se sente falta de alguma coisa, Manuel sorri com serenidade e diz:
— “Falta? Agora é que sinto que estou inteiro. A vida ensinou-me a construir mesas e cadeiras, mas só agora aprendi a construir um novo sentido.”
E todas as tardes, ao som do rádio e com cheiro a madeira fresca no ar, o senhor Manuel continua a ensinar, a rir, e a viver com alma de quem ainda está a começar.
Recolha e adaptação: Gabriel Silva