António da Silva — O Homem das Mãos Cheias de Tempo

 


António da Silva — O Homem das Mãos Cheias de Tempo


António da Silva nasceu em 1948, na aldeia de Pousaflores, no coração do Ribatejo. Era o quarto de oito irmãos, filhos de um pastor e de uma costureira. A casa onde viviam era pequena, mas cheia de sons: o chilrear das galinhas, o estalar da lenha no fogão e as gargalhadas que resistiam mesmo nos tempos mais duros.


Desde cedo, António mostrou gosto pelas mãos: gostava de montar e desmontar coisas, de reparar rádios velhos, de fazer brinquedos de madeira para os irmãos mais novos. Frequentou a escola até à quarta classe e, aos 13 anos, começou a trabalhar com o pai, ajudando nas lides do campo e no cuidado dos animais.


Aos 18, decidiu ir tentar a sorte para Lisboa. Conseguiu emprego numa oficina de serralharia em Marvila, onde começou como aprendiz. Não tardou a mostrar talento. As mãos dele pareciam compreender o ferro e o aço com uma delicadeza que ninguém esperava. Criava portões, grades e varandins com um cuidado quase artístico.


Casou-se aos 24 com Amélia, uma jovem da Amadora que conheceu num baile popular. Foram viver para um pequeno apartamento alugado e, pouco depois, nasceu o primeiro dos três filhos. A vida era simples, com poucos luxos, mas cheia de valores: respeito, trabalho e humor. António acordava cedo, comia uma fatia de pão com marmelada e seguia para a oficina, onde passou mais de 40 anos.


Era conhecido no bairro como “o senhor Silva da oficina”, mas todos o tratavam com carinho. Era daqueles homens que ajudava sem fazer alarde — consertava um portão sem cobrar, oferecia uma peça de metal a quem precisava, ensinava os miúdos curiosos como se soldava sem se queimar.


Quando se reformou, aos 66, muitos pensaram que ia finalmente descansar. Ele próprio achava isso. Mas depressa percebeu que a reforma era, na verdade, o início de um novo capítulo.


Começou a fazer pequenos trabalhos em madeira, só por prazer. Um dia, o neto mais novo pediu-lhe uma casinha para os pássaros. Fez uma tão bonita que a escola local o convidou para ensinar os alunos a fazerem as suas. E assim começou um projeto que ainda hoje continua: “Oficina dos Avôs”, um grupo informal onde reformados partilham conhecimentos de carpintaria, mecânica e jardinagem com crianças e adolescentes.


Aos 70 anos, aprendeu a usar o computador — com alguma relutância no início — para falar com a filha emigrada na Suíça. Hoje usa o tablet para ver vídeos de marcenaria, ler notícias e até partilhar fotos dos seus projetos num grupo do Facebook. Quando os amigos se queixam que “a vida moderna já não é para eles”, António responde com um sorriso e diz:

“Se a cabeça não se mexe, o resto enferruja.”


Hoje, com 77 anos, António continua ativo. Cuida do pequeno quintal atrás da casa, onde cultiva tomates, alfaces e roseiras. Passeia com a Amélia todas as manhãs pelo jardim da freguesia. Ainda vai à oficina de vez em quando — não para trabalhar, mas para ajudar o rapaz que lhe comprou o negócio. Ensina-lhe truques antigos, que não vêm nos manuais, e bebe uma bica com os velhos colegas.


Os netos adoram passar fins de semana com ele. Fazem pão caseiro, constroem brinquedos de madeira e ouvem histórias do tempo em que a televisão ainda era a preto e branco e as brincadeiras se faziam com pedras, paus e muita imaginação.


Há pouco tempo, numa entrevista para o jornal local, António foi descrito como “um exemplo de envelhecimento ativo e feliz”. Quando o jornalista lhe perguntou qual era o segredo, ele respondeu com a simplicidade que o define:


“Trabalhei muito, sim. Mas o mais importante é isto: nunca deixei de ser curioso. E nunca deixei de partilhar o que sabia. A vida, quando dividida, cresce.”


António não tem medalhas, nem grandes feitos públicos. Mas tem o respeito de todos, o amor de quem o rodeia e a serenidade de quem olha para trás sem arrependimentos. A sua história não termina com tristeza, mas com continuidade — porque ele ainda está a construir, ensinar e aprender, todos os dias.


Recolha e adaptação: Gabriel Silva