Dona Lurdes Vai à Dança
"Dona Lurdes Vai à Dança"
Lurdes Ferreira tinha 71 anos e um brilho nos olhos que nunca envelheceu. Vivia em Matosinhos, num apartamento com vista para o mar, onde todas as manhãs abria as janelas para deixar entrar o cheiro da maresia e os sons das gaivotas. Tinha sido professora primária durante quase quatro décadas, e era daquelas que os antigos alunos ainda cumprimentavam com respeito e carinho na rua.
Viúva há cinco anos, Lurdes não era de ficar parada. Fazia parte do grupo de leitura da biblioteca, jogava cartas às quartas-feiras com as vizinhas do prédio e fazia voluntariado no centro de dia local. Mas, no fundo, havia algo que sempre quis fazer e nunca teve coragem: dançar.
Desde jovem, sonhava em aprender dança de salão. Mas o tempo, os filhos, o trabalho e as obrigações da vida sempre ficaram em primeiro lugar. Agora, reformada e com os filhos crescidos, não havia desculpas. Um dia, ao passar em frente a uma academia de dança perto do mercado municipal, viu um cartaz:
“Aulas de dança de salão para seniores – Venha dar o primeiro passo!”
Sorriu, tirou uma foto com o telemóvel e, na mesma tarde, apareceu lá. Entrou tímida, de sapatilhas e casaco de malha, mas foi recebida com calor pelo professor Ricardo — um jovem entusiasmado que tratava todos com um respeito contagiante. Havia mais dez alunos na turma, todos entre os 60 e os 80 anos, e a atmosfera era leve, animada e cheia de gargalhadas.
Nas primeiras aulas, Lurdes tropeçou mais do que dançou. Mas riu. Muito. E foi melhorando. O corpo parecia acordar, a mente ficava mais leve e o coração batia com alegria a cada passo aprendido. Fez amizades novas, reencontrou velhos conhecidos e até começou a sair mais, com o grupo, para almoços e matinés dançantes.
Passados seis meses, o grupo foi convidado a se apresentar numa festa municipal para o Dia dos Avós. Lurdes hesitou, mas acabou por aceitar. Usou um vestido azul que comprou especialmente para a ocasião, calçou sapatos com um pequeno salto e, ao som de um tango animado, dançou com leveza e brilho. O público aplaudiu de pé. Os netos, presentes na plateia, gritavam:
— "Vai, avó!"
Ela acenou e riu com a alma toda.
Desde então, a dança virou parte da sua vida. Às terças e sextas, ninguém a apanha em casa — está na pista. Até o médico lhe disse que nunca viu uma senhora com os exames tão bons para a idade.
E ela responde sempre, divertida:
“A culpa é do samba e do Ricardo!”
Hoje, Dona Lurdes é inspiração para outras mulheres da sua idade. Mostra, com leveza e coragem, que nunca é tarde para fazer algo pela primeira vez. E quando alguém diz: “Já estou velha para isso”, ela responde com um sorriso maroto:
“Velha é a vergonha de tentar.”
E continua a dançar, não porque quer aparecer, mas porque descobriu que a vida, com música e movimento, é ainda mais bonita.
Recolha e adaptação: Gabriel Silva