A Aventura de Dona Rosalina

 

"A Aventura de Dona Rosalina"

Rosalina Martins tinha 74 anos, cabelos bem penteados com rolinhos todas as noites, unhas pintadas de vermelho discreto e uma gargalhada que se ouvia do outro lado da rua. Morava em Setúbal, num prédio antigo com varandas de ferro forjado, onde cultivava manjericão, hortelã e tomates-cereja numas jardineiras improvisadas.


Tinha sido funcionária dos correios durante 35 anos e era conhecida por sempre trazer um rebuçado no bolso para as crianças e um comentário espirituoso para os adultos. Reformada há quase duas décadas, nunca deixara de se manter ativa. Fazia hidroginástica duas vezes por semana, era mestre em tricô (já tinha feito mantas para meia família) e liderava o grupo “Alegria na Terceira Idade” no centro comunitário do bairro.


Mas Rosalina queria mais. Muito mais.


Um dia, ouviu uma reportagem na televisão sobre um grupo de seniores espanhóis que estavam a fazer caminhadas pelo Caminho de Santiago. “Ora bolas”, disse ela com uma colher de pau na mão e o avental sujo de farinha. “Se os espanhóis podem, por que é que eu não hei de poder?”


Na manhã seguinte, marchou ao café da esquina e disse para o seu grupo de amigas:


— Meninas, vamos fazer o Caminho de Santiago!


Houve gargalhadas, espanto, tosses de surpresa e uma ou duas que pensaram que ela estava a brincar. Mas bastou uma semana para juntar quatro amigas determinadas: Lídia (76), Palmira (72), Ermelinda (75) e Nair (78). Chamaram-se as “Peregrinas do Bacalhau” — porque, segundo elas, ninguém faz nada em Portugal sem levar uma boa história e uma referência à comida.


Treinaram durante meses. Caminhavam pelos trilhos da Serra da Arrábida, faziam alongamentos no parque e até passaram a recusar os pastéis de nata do café “para manter a forma”, como diziam entre risos. Os maridos e filhos acharam que era maluquice — mas nenhuma as demoveu.


E lá foram. De mochila às costas, chapéu na cabeça, ténis novos e muita conversa no caminho. Foram fazendo o percurso aos poucos, por etapas, sempre juntas. Riram, perderam-se duas vezes, conheceram gente do mundo inteiro e até inventaram uma coreografia para cantar à noite nos albergues. Dona Rosalina, com o telemóvel na mão, filmava tudo e publicava os vídeos no Facebook. Rapidamente começaram a receber mensagens de apoio de desconhecidos, que se inspiravam nas suas aventuras.


Ao fim de alguns dias, chegaram a Santiago. Choraram, abraçaram-se, agradeceram e celebraram com uma mariscada e vinho verde — porque as “Peregrinas do Bacalhau” não brincavam em serviço.


De volta a Setúbal, viraram celebridades locais. Foram entrevistadas por uma rádio, convidadas para contar a experiência numa escola secundária e, claro, receberam um mural pintado na parede do centro comunitário com a frase:


“Nunca é tarde para partir.”


Hoje, Dona Rosalina já planeia a próxima “aventura sénior”: um cruzeiro no Douro com aulas de dança a bordo.

Quando alguém pergunta se ela não acha perigoso fazer essas coisas com 74 anos, ela responde com um sorriso:


 “Perigoso é ficar em casa a ver novela o dia todo e pensar que a vida acabou. A minha ainda agora começou.”


Recolha e adaptação: Gabriel Silva